quinta-feira, 19 de junho de 2014 | |

O caminho (fácil) para a audiência

Outro dia, fazendo uma reportagem que necessitou de um depoimento mais dramático de uma mãe que perdeu o filho assassinado, comentei com um colega da equipe: “Está vendo, é fácil dar audiência na TV. Está cheio de histórias de desgraças humanas, sejam frutos da violência ou de doenças. Basta explorar”.

O comentário, claro, foi em tom irônico. Não pretendia fazer isto nem este é o objetivo do trabalho desenvolvido pela TV Cultura (em tempo: há uma recomendação expressa da chefia de Jornalismo para não explorar lágrimas alheias nas reportagens, pois a desgraça basta por si).

A questão me veio à mente recentemente ao ler um artigo assinado por Mauricio Stycer, colunista de TV do UOL. “Dois programas da Record têm investido num gênero perigoso, que mistura jornalismo com entretenimento, sem medo algum do ridículo”, escreveu. Ambos, segundo o colunista, vêm “cometendo barbaridades para alavancar a audiência”.

Antes de mais nada, é preciso lembrar o que os bancos das faculdades de Jornalismo ensinam (ou devem ensinar): jornalismo e entretenimento não se misturam – e quando se misturam, a notícia é prejudicada e a verdade ameaçada.

Vide a cobertura que algumas emissoras fazem de certos eventos esportivos dos quais são parceiras.

Voltando ao cerne da questão, Stycer rebate o argumento de que a televisão precisa ser popular.

Difícil dizer o que não é "para o povo" na TV aberta brasileira. Há de tudo, de atrações que fazem o espectador pensar até aquelas que, mais grosseiramente, o seduzem com prêmios ou aviõezinhos de dinheiro. 
O caso em questão é de outra ordem. O que assusta em apelações como "será que Michael Jackson está vivo?" é o descaramento. Os envolvidos em operações "jornalísticas" deste naipe sabem exatamente o que estão fazendo e, possivelmente, acham graça. É literalmente um vale-tudo em nome da audiência. 

E, não custa lembrar, dar audiência (a qualquer custo) não é tão difícil assim...

Complemento postado em 24/6/14 - Em referência à junção entre jornalismo-entretenimento nos grandes eventos, vale ler o artigo cujo trechos reproduzo a seguir:

(...) A TV aberta é uma espécie de negativo das redes sociais. Em vez da falta de filtro, o filtro em excesso. Em vez da particularidade magnificada, a generalização sem diferenças. Se no Twitter o início da Copa foram protestos, greves e transtornos causados pela parceria Don Corleone-Didi Mocó que a organiza - o que é verdade -, em LCD o torneio vem sendo uma festa contínua cujo motor é a paixão de multidões - verdade também. 
 Claro que há nuances aí. Há esforço das emissoras em sair da armadilha dos extremos. "O que a Globo não mostra" é o que a Globo mostra, sim, porém menos do que deveria - em momentos secundários da cobertura, em menções demasiadamente rápidas. O mantra dos locutores é algo como "todos têm direito de se manifestar, mas tudo tem hora". A oração adversativa é a senha para que a euforia continue, agora sem pudor. 
Por outro lado, e mesmo que a mistura entre jornalismo e entretenimento (ou departamento comercial) seja fato há muitas Copas, há uma novidade simbólica e incômoda em 2014. A mesma Globo que não faz merchandising explícito, ao menos na boca de seus locutores, desistiu de parecer neutra no principal produto de seu pacote. Quem opina sobre o campeonato da Fifa nos jogos do Brasil é Ronaldo Nazário, que presta serviços à Fifa. (...) 
Fonte: Michel Laub, “Copa na TV aberta”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 20/6/14.

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